domingo, 25 de maio de 2014

Clássicos do Rock Nacional; Selvagem? - Os Paralamas do Sucesso.

O disco “Selvagem?”, d’Os Paralamas do Sucesso, lançado em 1986, não é um disco qualquer. Não pode ser colocado no balaio dos grandes sucessos do Pop Rock brasileiro, tomando-se por base apenas seu marco comercial. Ele vai além do sucesso de vendagem, afinal vendeu muito – mesmo oferecendo algo novo, diferente. Não era o mais do mesmo, era algo novo, era uma aposta, era um risco fazendo o que poderia não ter feito: sucesso.

Em “Cinema Mudo”, de 1983, e “O Passo do Lui”, de 1984, Herbert Vianna (vocal e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria), muito jovens, com pouco mais de 20 anos, já mostravam todo seu potencial, tanto no que se refere a fazer legítimos hinos pop – como “Vital e sua moto”, “Meu Erro” e “Romance Ideal” – quanto nas referências a ritmos jamaicanos – vide a própria “Cinema Mudo”, “Ska”, “Óculos” e “Assaltaram a gramática” –, o que mostrava uma peculiaridade muito especial nos três. Embora o grupo de canções que fugiam da lógica pop fosse, até o momento, bem menor, já dava ares das novas perspectivas do grupo. Mas por que mudar, se estava tudo indo tão bem? Aí entra em cena, em 1986, o disco “Selvagem?”, reflexo direto do amadurecimento da banda.
Em 1985, com o fim institucional da ditadura e a abertura política os ares eram de novidade, de esperança, de mudança. Para os Paralamas, era um ano igualmente movimentado. Logo em janeiro, se apresentaram na primeira edição do Rock in Rio, participação que foi fruto do sucesso dos dois primeiros discos. O show foi muito bem recebido pela crítica e pelos fãs. Nos meses que se seguiriam Os Paralamas sairiam pelo Brasil se apresentando em uma turnê bem sucedida. Também em 1985, Os Paralamas do Sucesso vão para a Europa, para alguns shows nos países “costumeiros” de toda turnê internacional. Contudo, o retorno do trio é bem diferenciado dos outros artistas que estiveram juntos na viagem. Antes de voltar ao Brasil, eles passam por alguns países da África e também pela Jamaica. As viagens pelo terceiro mundo, um lugar de gente negra e pobre, pareceu muito familiar aos diversos cantos do Brasil visitados pelos músicos em sua turnê nacional, também em 85. Além disso, em 1984, a banda já havia feito os shows de abertura da turnê brasileira do jamaicano Jymmy Cliff. Tudo isso somou-se e, em 1986, veio “Selvagem?”, onde pesou a responsabilidade típica de quando se faz o que se está afim de fazer, não com falta de compromisso, mas, sim, sem respeitar as amarras do mercado fonográfico.
 

Dizem que quando foi apresentado à banda o riff de guitarra que viria a ser “Alagados”, Bi e João acharam aquilo com cara de samba-enredo. E isso é ruim? Não, eles adoraram. “Alagados” abre o disco avisando logo de cara que as próximas horas serão bem diferentes. E boas.

 O cunho social da letra, muito evidente, é em partes fruto do período que Herbert estudou no Rio de Janeiro e atravessava de ônibus diariamente a Favela da Maré. Depois, já como uma banda de sucesso, conheceram Salvador, capital da Bahia e onde fica Alagados, região periférica da cidade. Um pouco mais tarde, com ainda mais sucesso na bagagem, conheceram Trenchtown, uma favela jamaicana nos subúrbios de Kingston, capital da Jamaica e local onde nasceu Bob Marley. O Brasil, dessa forma, parecia muito mais com a Jamaica, embora muitos tentassem e tentem até hoje negar. São “os filhos da mesma agonia”.  O clipe da música, ousado, confirma tudo isso. O viés popular da vida nas grandes cidades, em ritmo dançante que lembra o samba, convida a todos para cantar as amarguras. Quando o refrão, com break, é sustentado pela batida de tamborins, a evidência grita.


Na sequência vem “Teerã”, ska de características clássicas (assim como muitos outros que virão adiante no disco). A letra faz referência à capital iraniana e principalmente à guerra entre Irã e Iraque (1980 – 1988). O processo traumático que representa uma guerra, principalmente para os civis, é retratado na figura das crianças e o futuro de Teerã. A terceira faixa é “A Novidade”, com letra de Gilberto Gil, que também canta em “Alagados”. O refrão, que é até hoje muito popular, faz menção, novamente, aos desiguais do Brasil. A literalidade forte diz tudo, dispensa explicações: “Oh mundo tão desigual/ Tudo é tão desigual/ De um lado esse carnaval/ Do outro a fome total”.

A quarta música é uma composição de João Barone e Bi Ribeiro. “Melô do Marinheiro” dividiu com “Alagados” a preferência nas rádios em um processo espontâneo. Os fãs gostaram dela, pediram nas rádios e a colocaram para tocar. Não tomou espaço da música de trabalho. Popularizou-se de forma instintiva e virou mais um dos hits do disco. “Marujo Dub”, como o nome já diz, é um Dub baseado na música anterior, o primeiro do disco que, corajoso, já apresenta de cara dois dubs brasileiros às rádios. O segundo é “Teerã Dub”, a última faixa do disco e, igualmente, uma versão de “Teerã”. Os ecos e efeitos na voz saturada, típicos do Dub, assim como a “cara” de remix e a evidência do baixo e da bateria acompanham ambas as faixas. Corajosos e arriscados, os dois dubs são um dos vários marcos do disco.

A sexta faixa é “Selvagem”, música de conteúdo até hoje (quase trinta anos depois)  assustadoramente atual. Nela a letra apresenta, novamente, uma crônica da vida no Brasil e as armas que cada casta dispõe em mãos. Com riff marcante, o mais pesado do disco, Herbert canta sobre a polícia e sua tentativa incansável de manter tudo em seu lugar, custe o que custar. O governo, por sua vez, com seu falatório vazio e seu controle absoluto do poder, construído na base da enganação, mostra a cara de suas armas. Em “E a liberdade cai por terra aos pés de um filme de Godard”, faz-se referência à censura imposta pelo governo Sarney ao filme “Eu te Saúdo, Maria” de Jean-Luc Godard. Na sequência, a cidade apresenta suas armas na forma de mendigos e meninos de rua, enquanto os negros “a esperteza que só tem quem tá cansado de apanhar”.
 “A Dama e o Vagabundo”, a primeira música do disco que traz como tema um relacionamento amoroso. O, porém está no caráter desse relacionamento, que, apesar das diferenças, dá certo. A oitava música é “There’s A Party”. Cantada em inglês, é a que mais se aproxima do pop rock dos dois primeiros discos. Com pouco mais de dois minutos, é a música mais curta. “O Homem”, nona música do disco, apresenta como temática o conflito interior de cada um, colocando em cheque a costumeira dualidade da vida. Questiona o bem e o mal e canta, nenhuma doutrina mais me satisfaz.
 A última música do disco – afinal, “Teerã Dub” não foi incluída na versão original em LP – é uma regravação de “Você/Gostava Tanto de Você”, clássicos de Tim Maia. Sucesso garantido em um reggae que encerra a boa novidade que foi “Selvagem?”.
Definido o lado conceitual do disco, que já vinha sendo trabalhados nos meses finais de 1985, Os Paralamas do Sucesso chamaram Liminha – ex-baixista dos Mutantes e produtor de alguns dos mais aclamados discos do rock brasileiro – para trabalhar a parte técnica. Pelas mãos de Liminha passaram também algumas das segundas guitarras presentes no disco, assim como alguns teclados. Estava garantida a referência técnica da produção, afinal, a experimentação com os novos gêneros musicais deveria estar em excelente qualidade sonora, bem mixada e produzida. Liminha deu conta do recado. Entraram para as gravações em abril e não demoraram mais que um mês para terminar.

 Para a capa do disco foi escolhida uma foto do irmão de Bi que estava colada na parede do local de ensaios. Nela, o jovem Pedro aparece sem camisa, usando-a ao redor da cintura, como uma saia, e segurando um “cajado”. Um índio meio estranho em um dos muitos acampamentos ainda com turma de Brasília, onde Bi e Herbert se conheceram. A estranheza fica completa com o ponto de interrogação que é acrescentado e pergunta: Selvagem?

Em junho de 86 Selvagem? Estava na praça e o resto é história.

Passado o ano de 1986 e todo o sucesso do disco “Selvagem?”, Os Paralamas do Sucesso foram, gradativamente, nos álbuns posteriores mergulhando ainda mais nas referências jamaicanas e caribenhas. 

terça-feira, 20 de maio de 2014

Nheengatu - Titãs

Era grande a expectativa para esse novo álbum dos Titãs. Álbum que segundo a própria banda  seria uma volta ao Cabeça Dinossauro e ao bom punk rock que os Titãs sabem fazer também, talvez não com a mesma fórmula, mas sim com a mesma atitude e essência. Isso me instigou a procurar informações sobre o décimo quarto álbum da banda e o que esperar dele – a capa; obra sobre a Torre de Babel, que segundo o Antigo Testamento (Gênesis 11,1-9), torre construída na Babilônia pelos descendentes de Noé, com a intenção de eternizar seus nomes. A decisão era fazê-la tão alta que alcançasse o céu. Esta soberba provocou a ira de Deus que, para castigá-los, confundiu-lhes as línguas e os espalhou por toda a terra. E o título, “Nheengatu” foi esclarecedor. Língua criada pelos jesuítas para unificar a linguagem indígena assim que chegaram ao Brasil. O conceito do álbum refletiu totalmente o estágio em que nosso país está vivendo, nas palavras do próprio Titãs – “Uma tentativa de fazer uma foto instantânea do Brasil atual, as duas ideias se contrapõem bem: uma palavra (e uma linguagem) de entendimento para tentar explicar um mundo de desentendimento”.


Vamos a primeira faixa, “Fardado” cumpre a promessa. É suja, é pesada, é uma típica música de protesto para abrir o álbum...
Seguindo no disco, temos a ótima “Mensageiro da Desgraça” música um pouco mais difícil de assimilar, assim como as outras músicas cantadas pelo Miklos. As letras dele, em geral, são mais metafóricas e reflexivas, diferente das do Sérgio, que são mais "dedo na cara" e as do Branco, que brincam sempre com contradição e descrição.

“Nheengatu” segue em sua vibe suja, decadente, corrompida e politizada. “República dos Bananas". Um ska, mais pesado que um ska comum, mas mais leve do que as duas primeiras músicas. Remete quase diretamente ao som criado pela banda na época de “Cabeça Dinossauro”.
“Fala Renata” com uma letra incrivelmente simples, pode ser interpretada como uma crítica à futilidade das conversas das pessoas. Pesada em sua essência, tem uma seção no meio de um solinho de teclado onde a levada lembra até um, sei lá, forró. Também tem uma sonoridade muito própria e ao mesmo tempo lembra a sonoridade dos álbuns mais antigos da banda.
 “Canalha” do Walter Franco, é aqui regravada em um ambiente mais 'clean' e como a original apresenta a soturnidade necessária que a faixa pede ,destaque para as guitarras.  Os vocais carregam um nível de dor e descontentamento na medida certa. Ótima faixa, casa muito bem com as canções autorais do álbum, e é uma excelente ponte entre “Cadáver Sobre Cadáver” e “Pedofilia”.


“Pedofilia”, aliás, talvez tenha a letra mais forte do álbum. É explícita, contendo os argumentos de um pedófilo em um vocal semi-sussurrado, mas com um vocal rasgado no refrão, um experimentalismo no meio, uma faixa foda – o peso do punk- rock dos Titãs vêm a tona nessa faixa.

“Chegada ao Brasil (Terra À Vista)” segue, em ritmo com um ótimo baixo na condução da música. A letra suja ironiza os nossos próprios estereótipos.
 “Flores Pra Ela” é fantástica (letra e música), fodamente direcionado aos machistas de plantão que acham que a vida de uma mulher deve ser regrada ao seu bem-querer, mandos e desmandos. Prestem atenção nessa faixa.

Como não podia deixar de ser, em um álbum tão controverso, sobram também críticas a instituições religiosas em “Senhor”. É a indústria e o comercio da fé. Nos tempos atuais a salvação está em qualquer esquina, nas mãos de qualquer um, fazendo os mais humildes entregarem o que tem, em nome de um senhor (com ‘s’ minúsculo) que desconhecem.


O álbum encerra com “Baião de Dois” e “Quem São Os Animais?” da mesma maneira que começou: tecendo críticas ao atual sistema de vida que nos são impostos, os preconceitos que de antemão são enraizados na nossa cultura.
“Quem São os Animais?”, uma música que até parece mais leve que as outras 13, mas a letra mostra um tema atual como nunca. Racismo, homofobia, preconceitos em geral, proferidos pelos ditos seres "racionais"... no fim a gente para e pensa, quem são os animais?
Cheio de criticas sociais, contestador “Nheengatu” pode até soar panfletário nos dias de hoje, em meio a tantos protestos. Mas quer saber? Foda-se. Nheengatu é um álbum que traz de volta a essência do rock.
Pesado, sujo e direto com rock/reggae/ska .


Nheengatu é isso, é porrada, letras pra fazer a gente pensar. Mescla de” Domingo”,” Cabeça Dinossauro” e “Titanomaquia” na receita. Titãs como não se via há muito tempo. Mesmo com metade do time, mostraram que o pulso ainda pulsa.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Dica de Filme - Até o fim.

Até o fim colecionou indicações a prêmios para o seu único ator em cena, Robert Redford, e todo e qualquer prêmio a que tenha sido indicado/ganhado , foi merecido.

 O filme começa com um monólogo em tom de despedida e um objeto flutuando no meio do mar de Sumatra. A trama volta para oito dias antes e estamos com um envelhecido e fora de forma Robert Redford dentro do seu veleiro, que se chocou com um contêiner flutuante perdido de algum navio de carga e está com um rombo no casco. A água está invadindo o barco aos poucos, danificando muitos objetos de comunicação, e o contêiner está preso ao buraco que abriu na embarcação.

Sozinho, o personagem consegue desgarrar o barco do objeto mas há milhares de problemas que ainda estarão por vir: o buraco precisa ser selado; ele está incomunicável no meio do oceano sem saber para onde está indo e travará uma batalha pela sobrevivência – que parece estar perdida de antemão – quando o veleiro é atingido por uma tempestade que se aproxima. Com o naufrágio do barco, o personagem ficará ainda mais perdido no mar, dentro de um bote salva vidas, enquanto é castigado pelo sol e pela força da natureza. À medida que o filme avança, vão se esvaziando todas as esperanças – incluindo a dos espectadores estarrecidos -, a começar com a falta de água potável, a falta de comida, o cerco dos tubarões ao bote e com todos os perigos que o mar oferece. Pior: vibramos com a chegada de dois navios por perto, mas o personagem é invisível às embarcações que trafegam pelas rotas próximas e está se afastando cada vez mais delas.

Filmes de náufrago não são novidade no cinema. A diferença é que aqui praticamente não há diálogos (após o monólogo inicial, o segundo diálogo só vem vinte minutos depois com um pedido de socorro e em seguida, a próxima palavra só será proferida a partir de uma hora) o que faz o filme se aproximar mais do” Náufrago”, com Tom Hanks, no seu desenvolvimento, do que de outros filmes – com a diferença que aqui não temos uma bola de vólei como companhia para o martírio do personagem.

Com uma trilha sonora excelente e eficiente, Até o fim traz uma direção bem calibrada mas que não teria o impacto que tem sem a afiada atuação de Robert Redford, que segura o filme do começo até o final. É uma das melhores atuações de sua carreira, sem dúvidas. Apesar de praticamente não falar, Redford consegue passar sua agonia e desespero com grande verdade, seja nas rugas da idade ou na expressão de resignação, seja no seu esforço físico visível ou na fisionomia de quem não aguenta mais lutar. O fato de estar velho parece adicionar, aliás, um fator importante à trama: toda a atividade no veleiro exige um esforço monumental, como mostrado na luta contra a tempestade que o leva facilmente a exaustão – e quase o mata. Assim, para sobreviver, ele precisa brigar não apenas com a natureza, mas com o destino trágico que o cerca, com o acaso, com a imprevisibilidade do mar, com a solidão, com a própria embarcação que está agonizando prestes a afundar – e, claro, com seu próprio corpo -, o que faz de sua jornada um completo exercício de superação.

O paralelo com o sucesso de 2013, Gravidade, é inevitável. A  essência dos personagens, é a mesma. Se temos na ficção espacial Sandra Bullock perdida na solidão do espaço e desesperada para voltar para casa, aqui temos Redford perdido no meio do oceano, igualmente sozinho e em condições desesperadoras. Qualquer uma das duas situações é aterradora. Ambos aprendem, improvisam, pensam em desistir, contam com um pouco de sorte de última hora, mas, movidos pela fé ou por uma força maior, seguem adiante.
São filmes que nos revelam surpresas sobre o espírito humano, nossa coragem, força, luta e superação dos nossos próprios limites. Aqui o roteiro limpo e simples se sai um pouco melhor nos detalhes do que no filme de Sandra. Ele não usa o personagem para explicar a plateia o que ele faz em cena com palavras – ele traduz tudo em imagens muitas vezes silenciosas, melancólicas, num trabalho extremamente peculiar. Reparem: ao perceber a falta de água, ele improvisa; ao ver um navio se aproximar, ele se revela 
esperançoso em uma fisionomia, que se desfaz logo em seguida ao perceber que não é notado na imensidão azul; o monólogo do começo vira a carta dentro de um pote para quem a encontrar, já que é o momento em que o personagem está entregando os pontos, etc.

Há um ou outro ponto baixo – como no momento em que ele está no bote salva-vidas durante uma tempestade e a confusão da montagem é tão grande que não dá para entender o que está se passando com o personagem. E o final, sem epílogo e meio abrupto, pode não agradar e não ser unanimidade entre os espectadores.

Fica a dica...Filmaço!


AQUI o link de download do torrent

London Calling - The Clash

No final dos anos 70, o punk era um estilo popular, mas ao mesmo tempo era  rejeitado pelos "entendidos" de música. Aliás, tradicionalmente falando, sempre foi assim. O hard rock farofa dos anos 80 também era massacrado, bem como o grunge na década seguinte.
 

O argumento de quem não gostava do gênero, era a falta de criatividade do punk que sempre se resumia em três ou quatro acordes e em alguns casos até o fato de empresários dizerem o que a banda deveria tocar e como ela deveria agir.
Provavelmente por causa dessa herança, o Clash, que já havia lançado dois discos até então, optou pela liberdade de escrever o que quisesse e tocar suas músicas como bem entendesse.
Partindo disso, nasceu London Calling, um dos discos mais conceituais e fundamentais não só da história do rock n' roll, mas da música de um modo geral.
A associação do disco como algo clássico já começa antes mesmo de se dar o play. A capa, que tem Paul Simonon arremessando seu baixo no chão, faz lembrar a capa do não menos clássico Elvis Presley, de 1956.Alem de ser uma síntese, a banda chutava o pau da barraca no que dizia a respeito de ser independente e fazer o que bem entendesse.

"London Calling", apesar de ser um hino do punk, sua levada faz o ouvinte ter uma certeza: O Clash estava anos luz à frente de seu tempo. As guitarras ritmadas em contratempo, o baixo bem marcado e a bateria de certo modo, dançante, fazem remeter a coisas muito posteriores criadas no rock alternativo, fato incontestável.

"Clampdown",  traz como base o punk rock, de três acordes mesmo. Embora, a sua parte mais interessante seja o verso inicial, com o baixo em ritmo quase cavalar e a sequência de acorde em uma espécie de fade-out, dando aquele tom clássico de músicas de fins de um tempo.
"Hateful", é uma das melhores peças não só desse álbum, mas como de toda a carreira da banda.
Em todo caso, London Calling foi muito além apenas do punk, do rock alternativo e do pop. A banda faz uma espécie de viagem à Jamaica, se aventurando por estilos como o reggae e o ska, como na animadíssima "Revolution Rock", que apesar do nome, é um reggae, seu ritmo alegre e sua letra que faz uma espécie de apresentação a essa nova batida.
Aliás, variedade de estilos é o que mais chama a atenção no álbum. Punk, reggae, rockabilly, bebop, ska, R&B, pop, lounge jazz, hard rock e baladas: isso tudo em 19 faixas emocionantes. Começa com a já citada e apocalíptica e hipnótica faixa título, que abre mão do usual verso/refrão/verso ao optar por uma melodia circular forte e impactante. Na seqüência, o rockabilly “Brand New Cadillac", versão para uma canção dos anos 60, de Vincy Taylor. A próxima, "Jimmy Jazz", é um bebop,enquanto o reggae "Rudie Can’t Fail" elogia os jovens que batalharam por seus sonhos nos 60 lutando contra os velhos que os oprimiam. A empolgante "Spanish Bombs" fala sobre a guerra civil espanhola enquanto "The Right Profile" conta o desespero de ser gay na Hollywood dos anos 50 em clima jazz cabaré.

 A ótima e  ácida "Lost in The Supermarket" tem uma bateria marcada tipo la “house music” , para falar, com fina ironia, sobre a alienação e solidão das grandes cidades. "Clampdown" é rock de arena, tanto na melodia quanto na letra. A letra pede para que os jovens não vendam seus sonhos para o mundo frio do capitalismo, enquanto a música é cantada em forma de corrida militar em que os soldados (trabalhadores) se alternam em frases-respostas para o sargento (vocalista). "The Guns of Brixton", única música de Paul Simonon no disco, é reggae pesado e denso. A roqueira "Death or Glory" é o tipo de música em que o título fala por si só, fazendo alusão aos músicos que diziam que iriam morrer antes de ficarem velhos. "The Card Cheat" lembra  Phil Spector entupido de dramaticidade, enquanto "Lover’s Rock" é doce e pop. Para o final, o single não transcrito nem na capa nem no encarte que não iria entrar no disco porque soava tão pop que poderia assustar os punks. Acabou entrando no álbum de última hora, quando a arte do disco já estava toda pronta: "Train in Vain", uma deliciosa balada pop que bateu o numero 23 da parada de singles norte-americana, feito surpreendente para uma canção de origem punk.

 Se fosse preciso escolher os  melhores discos como a obras primas  pop de todos os tempos, este seria um dos  eleitos.
London Calling recebeu tantas criticas positivas que, em 2007, foi introduzido ao Grammy Hall of Fame, uma coleção de gravações de grande qualidade ou relevância histórica. Vale a pena ouvir.


Em suma, London Calling faz uma expedição por vários estilos, imprimindo vários tipos de sons e levando suas letras muito além da simples sede pelo protesto. Ou seja, como já foi dito anteriormente, é um disco fundamental não só do rock. É fundamental para os apreciadores da boa música.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Clássicos do Rock Nacional; Cabeça Dinossauro - Titãs.

O ano é 1986 e os  Titãs tentavam superar problemas  porque um de seus vocalistas, Arnaldo Antunes, e o guitarrista, Tony Beloto, haviam sido presos por envolvimento em heroína. Isso sem dúvida alguma teve influencia direta nas  músicas.

Abril de 86, os Titãs entram no estúdio Nas Nuvens, no Rio de Janeiro para gravar o que seria um clássico, um marco do rock no Brasil: "Cabeça dinossauro", com sonoridade e temática pesadas,diretas e objetivas o que era de certa forma incomum no rock nacional até então.

"Igreja", "Porrada", "Dívidas", "Bichos escrotos", o disco era pancada atrás de pancada . A única faixa que amenizava o tom era  “Família”, o resto fazia jus a capa do disco, que trazia um homem urrando(esboço de uma pintura do  italiano Leonardo Da Vinci).

O álbum fazia trazia  referências  ao episódio de prisão dos integrantes como "Estado violência" e o clássico "Polícia" ("Polícia para quem precisa, polícia para quem precisa de polícia"). Das 13 faixas do álbum, 11 foram muito bem executadas em rádios - como únicas exceções as faixas "A Face do Destruidor" e "Dívidas".
"Bichos Escrotos" acabaria sendo vetada a para audiência em rádios por causa da expressão "Vão se foder!".
"Cabeça dinossauro" fez uma revolução na música brasileira, ninguém tinha feito ainda algo tão pesado e demolidor. O Brasil nunca tivera letras tão diretas e, mais que isso, o disco conseguiu um alto índice de vendas.

"Cabeça Dinossauro", é sem dúvida o mais primal, selvagem, brutal e pesado disco da história do Rock brasileiro. Seu peso não advém de distorções gravíssimas de guitarras ou bateria hipersônica; soa como uma captação do que o ser humano pode produzir de mais pré-histórico em forma de música moderna, e com uma lírica áspera e violenta feita a sonoridade: os Titãs atacavam abertamente pilares considerados sagrados pela sociedade, como a Igreja, o Estado, a Segurança Pública, a família, o sistema bancário... A destruição que o homem causa ao seu próprio planeta também era atacada abertamente, em uma crítica que soa terrivelmente atual até hoje, em todas as suas músicas. Nenhuma perdeu o valor de crítica.

É impossível falar em "Cabeça Dinossauro" e Titãs  sem citar o produtor Liminha, que foi fundamental para a sonoridade do álbum.O produtor que produziu diversos trabalhos dos Titãs teve uma grande importância na historia da banda, e durante muito tempo foi considerado o nono Titã.


Algumas curiosidades envolvem muitas dessas músicas. "O Quê", por exemplo, foi a última ser gravada, devido às imensas dificuldades encontradas pela banda, e foi também a que mais deu trabalho. O arranjo mudou totalmente no estúdio e o Liminha, teve participação decisiva: programou a bateria eletrônica, sugeriu a linha de baixo, tocou guitarra e deixou os músicos  fazendo uma jam interminável durante dois dias até chegar ao resultado final.
Nos shows o até então vocalista Arnaldo Antunes se retirava do palco durante a execução da musica "Igreja". Ele  dizia ter religião e não concordava com o teor da música; ele não aparece no videoclipe da música e se retirava silenciosamente do palco cada vez que a música era executada.
Outra curiosidade diz respeito à gravação de "Polícia". O próprio Sérgio Britto explica: "Outro detalhe curioso, é que gravei a voz solo de 'Polícia' no primeiro take, enquanto o Liminha conversava sobre pesca submarina com o Evandro Mesquita. Talvez isso tenha me ajudado a ficar mais puto ainda e descarregar a raiva durante o vocal. Quando fomos ouvir o resultado, eu queria regravar a voz, a qualquer custo, porque tinha sido muito fácil. Mas todos acabaram me convencendo de que estava bom", explicou o tecladista e vocalista.



O disco marcou o auge dos Titãs na cena roqueira e pode-se afirmar com toda convicção que depois de "Cabeça dinossauro", o rock brasileiro nunca mais foi o mesmo.

domingo, 4 de maio de 2014

Nevermind - Nirvana


Nevermind talvez tenha sido o último clássico indiscutível do rock. E o curioso é que ele foi produzido sem nenhuma pretensão de sequer fazer sucesso. Hoje, vinte e três anos após o lançamento do disco, é possível notar nitidamente a proporção que este álbum tomou.

Em 24 de setembro de 1991, o Nirvana lançava o seu segundo disco, Nevermind,o  álbum é até hoje tido como um dos maiores discos de rock de todos os tempos, e responsável pelo que muitos dizem ser a última grande revolução do rock. Hoje é impossível contar a historia do rock sem reservar um capitulo a Nevermind, e é impossível negar a influência que ele tem até hoje, não só na música, mas no estilo de vida de toda uma geração.

Produzido por Butch Vig, esse foi o primeiro gravado com o baterista Dave Grohl. As letras, todas compostas pelo cantor, e líder Kurt Cobain, eram violentas, radicais, e falavam de temas obscuros como paranóia, e sobre apatia da sua própria geração. Como diria o próprio Cobain, era sobre "Ser de classe média, casar jovem, ter filhos, assistir TV toda noite - e detestar tudo isso".

O álbum começa com Smells Like Teen Spirit, o grande hit do disco e da banda, com seu riff simples de guitarra, e o vocal solitário de Kurt acompanhado pelo baixo de Krist Novoselic. A música segue crescendo até o refrão, quando explode, e Cobain grita toda a sua revolta, e expurga todos os seus sentimentos contra a futilidade de uma geração alienada.
Come As You Are é a terceira faixa, certamente a canção que introduziu o Nirvana no mundo de muita gente. Particularmente, é uma das minhas  preferidas.
Breed, com seu riff chumbado, solo sujo e ritmo alucinado, é das músicas mais empolgantes de Nevermind, enquanto Territorial Pissings é um visceral e inesquecível momento de fúria em forma de música (Kurt destruindo sem piedade sua garganta).
Lithium é a principal representante da dinâmica verso-tranquilo-refrão-porrada que ficou tão associado à banda. Sempre achei isso meio equivocado e superficial, não creio que tal fórmula apareça tão recorrentemente na discografia do grupo. Mas era sem dúvida uma carta na manga de Kurt.
Drain You, Lounge Act e On A Plain são as que com mais inspiração fazem valer a estética punk rock de música com poucos acordes.
Tem também faixas mais tranqüilas como Polly e Something in the Way, essa última que falava dos tempos difíceis que Kurt viveu debaixo da ponte.

 Mas a grande sacada do álbum é a capacidade que Cobain tem de misturar o som de bandas alternativas como Sonic Youth e Pixies com um toque pop, criando músicas que são autênticas,  poderosas e com  refrãos fáceis de assimilar.
Nevermind vendeu mais de 35 milhões de unidades, Smells Like Teen Spirit chegou  ao topo das paradas, desbancando artistas como Michael Jackson e Guns N’ Roses, Madonna e U2. E mais do que isso, o Nirvana provou com seu Nevermind, que uma banda “alternativa” podia chegar ao mainstream, e revolucionou não só o rock, que estava cansado das bandas de “metal farofa” dos anos 80, com seus cabelos enormes e cheios de maquiagem, mas sim toda a indústria musical, que começou a ir atrás de bandas independentes, que agora tinham um espaço garantido nesse meio. Também abriu portas para o sucesso de bandas como Pearl Jam e Soundgarden,Alice in Chains. E colocou Kurt Cobain como um porta-voz dessa geração.


20 anos depois, o Nevermind, o Nirvana, e seu líder se tornaram lenda. Hoje em dia, principalmente com advento da internet, a música independente ganhou muito mais espaço. Mas não há dúvidas, que, mesmo não tendo sido a primeira, talvez nem a mais importante banda alternativa, sem o Nirvana, a música de hoje em dia não seria a mesma.