terça-feira, 24 de maio de 2016

Canções do Exílio - Jay Vaquer

“Canções de Exílio”, mais novo álbum do carioca  Jay Vaquer ,o oitavo de sua carreira. Vaquer, pra quem não sabe, fez algum sucesso com alguns clipes na MTV durante o início do milênio, mas sem alcançar definitivamente o grande público , embora possua uma base de fãs muito fieis , principalmente no Rio de Janeiro. Esta espécie de desconhecimento por parte do grande público é parcialmente explicável; ele tem um trabalho autoral bastante peculiar, talvez muito Pop para os roqueiros ou muito alternativo para os fãs de música Pop. No entanto, é justamente na coragem do artista em literalmente dar a cara a tapa, sem fazer concessões à sua obra, o que me faz parar e ouvir atentamente a cada um de seus lançamentos.

Excepcional cantor e letrista Jay vai de um falsete a um vocal rasgado em questão de segundos e na mesma canção. Não bastasse, a produção caprichada e as letras muito acima da média do que se produz no Brasil atualmente, fazem deste lançamento talvez a obra mais bem acabada e concisa do artista até agora. Após uma série de decepções com empresários e pessoas ligadas ao meio musical, Vaquer se auto impôs uma espécie de exílio desde o lançamento, em 2011, do ótimo “Umbigobunker!?”, o que talvez tenha refletido em muitas das canções aqui apresentadas. Produzido novamente por Moogie Canazio (indicado ao Grammy pelo disco anterior), “Canções de Exílio” evidencia a habilidade do artista em entregar ao ouvinte uma produção cheia de nuances, algumas surpresas, letras desafiadoras (umas extremamente ácidas, outras de um romantismo sincero e pungente) e  uma certa novidade em termos sonoros. Neste álbum a eletrônica foi muito bem trabalhada, de forma a complementar o teor pop rock das canções.
O início, com a faixa “Quantos Tantos” já chega escancarando a porta com um riff de guitarra que introduzirá uma das letras mais críticas da obra, em um tema mais do que atual: o exibicionismo em tempos de redes sociais. "Mais interessante mostrar que esteve do que estar / Muito mais importante exibir a vida que viver / Caridade postada ou não terá valido nada" rasga o cantor em versos embalados com a maior pinta de hit pronto pra tocar nas rádios, pena que isso dificilmente acontecerá. O final, listando autores muitas vezes (mal ou erroneamente) citados nas redes por pessoas com pouco conhecimento de causa, encerra de forma grandiosa a canção. E, digo, seria muito bacana ouvir isso nas rádios.
“Tudo Que Não Era Esgoto” chega de forma densa, pesada, com a eletrônica dando o tom pra uma das letras mais ácidas e difíceis de digerir pelo público pouco acostumado a ser desafiado a pensar . Uma metáfora pela má qualidade daquilo que é apresentado ao grande público como sendo cultura,música(pelo menos no entendimento daquele que vos escreve),uma mágoa com o chamado mainstream que define aquilo que devemos ou não consumir é o mote desenvolvido aqui. "Inclusão salutar trouxe consigo esse cheiro próprio / Negócio lucrativo comercializar a bosta feito ópio / (...) / Podridão difundida / Patrimônio cultural / E quem não curtisse aquilo era débil mental.
“Canção do Exílio Domiciliar” baixa o tom em um lamento naquilo que só a vida a dois pode proporcionar: a dor de uma separação, ou de viver com alguém e mesmo assim continuar sozinho. "Sonha então / Maneiras de poder aterrissar / Nisso que um dia foi / Uma vida bem vivida / Foi onde eu mais queria estar / (...) / Me diz / O que resta pra nós / Não sei", encerra de forma desesperançosa e bela.
“Boneco de Vodu” volta ao clima mais rock, porém desta vez com a eletrônica mais presente e a acidez borbulhando no personagem da canção, que ignora toda e qualquer superstição: "Então já sabe o que fazer com meu boneco de vodu", provoca, deixando a rima pra mente suja do interlocutor - não por acaso, uma lembrança daquele tipo de gente que se dá uma auto-importância exagerada, é uma das faixas em que o cantor mais expressa seu jeito irônico e debochado, mas denunciando a própria hipocrisia ("Até desconfio do ateu / E isso é problema meu / Talvez fique de branco no Réveillon").
“Outrora” inicia à capella com versos embalados em um efeito meio sacro, como se fosse uma prece, logo desemboca pra uma daquelas baladas. O vocal limpo e o instrumental versam sobre a urgência em se permanecer vivo, em reconhecer as belezas da vida e a angústia em não se conseguir (ou achar que não) percebê-las. "Derrapei ao tentar controlar / A vida passando por mim / O tempo atropelando / E atropelado está / A cada solavanco / Tanta beleza", são versos que embalam um dos mais belos momentos do disco.

“Possibilidade (Se Já Não Caibo)”, com sua batida eletrônica, em um clima ainda melancólico e melódico que, como o título já diz, esboça a possibilidade de "novos ares" àquele que se exilou de alguma forma.
“Como Quem Não Quer Nada” é outro rockão ácido e crítico à futilidade daqueles que buscam chamar a atenção de alguma forma, seguindo a maré, fazendo um link elegante com a primeira faixa do disco. "Muita calma minha gente / Sempre dá pra piorar / E o pior é massa / Pro idiota idiotizado / Idiotizante idiotizando / Como quem não quer nada". E a gente sabe o quão perigoso este tipo de idiota útil pode ser - qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Após a pancadaria, o afago.” Hematomas da Teima”, a próxima canção, além do título genial, traz talvez a letra mais simples do álbum e ao mesmo tempo significativa. Balada certeira, com os efeitos eletrônicos que tornam tudo ainda mais emocionante, fala sobre a ousadia daqueles que rompem o exílio e partem em busca de seu objetivo - mesmo que isso custe alguns vários riscos no meio do caminho. E é na teimosia ("Meu caos / Meu cais / E dos males, o melhor") que a temática se exemplifica. Aquele papo de "o que é teu tá guardado", que tanto nos acomoda, não faz sentido algum aqui. Pro autor é o desassossego que nos move ("Não espero pelas voltas que o mundo dá / Se posso dar a volta no mundo até encontrar / O espaço onde estamos juntos / Nosso lugar") e os hematomas resultantes desta busca sempre válida não são fracassos, mas condecorações. Linda, a canção só tem um defeito: ser curta demais, e a vontade que dá é de deixar no repeat por horas.
“Legítima Defesa” talvez seja o único ponto fora da curva aqui. Continuação de Estrela de um Céu Nublado, do álbum Formidável Mundo Cão (de 2007), acaba fazendo mais sentido para quem conhece a canção anterior. No estilo "faroeste caboclo", continua a saga do "herói" em busca de sucesso mas que acaba se metendo em muitos problemas no intuito de ser famoso. Apesar de longa, a faixa possui bons refrões e novamente a participação de Megh Stock, da banda Luxúria, em mais um rock ácido.

O encerramento com “Baudaluv” é simples e singelo, com uma declaração de amor, combustível catalisador e talvez um dos maiores motivos em romper o exílio auto imposto e se encantar, enfim, com a vida: a felicidade plena em um sorriso que nos ensina a ser melhor a cada dia.
Canções de Exílio é um trabalho tem uma proposta diferente dos discos anteriores, aqui há um maior flerte e experimentação com a música eletrônica, que funcionou muito bem aliás.
Não sou nenhum critico musical, mas é notável a qualidade dos arranjos, harmonias, efeitos e também a qualidade de composição, Jay é um dos poucos artistas que conheço que sabe criar uma canção tão bem, suas composições são fascinantes, seus personagens são muito bem construídos e posso dizer facilmente que além de um ótimo cantor e compositor ele é um grande contador de histórias juntamente pela sua habilidade de observação do meio no qual vive e também por ter apanhado tanto desse meio.

Só não se surpreenda se ao final do disco você acabar se identificando com as mensagens e de constatar o fato de que talvez você esteja também vivendo exilado.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Sol Invictus - Faith no More

Morto é o caralho! Faith No More volta à vida em Sol Invictus.


Sol Invictus é tudo o que a banda precisava para provar que esta longe de viver de passado. O novo álbum do Faith No More segue a tradição de surpreender os seus fãs e os que acompanham o trabalho da banda. "Sol Invictus" traz uma seleção de 10 músicas com uma sonoridade renovada e que ao mesmo tempo, mantém a inconfundível pegada do som característico da banda.

A primeira grande surpresa, surge já na primeira faixa, "Sol Invictus", que, ao contrário de todos os discos do Faith No More, não começa com uma porrada e sim com um suave piano. Uma bateria em ritmo de marcha abre as águas para Patton sussurrar uma letra com tom apocalíptico. Está mais próximo de algo como Depeche Mode do que qualquer outra coisa que a banda já tenha feito.

A segunda faixa é o single "Superhero", a música mais próxima do som dos discos anteriores, servindo aqui como um acalento para quem tomou um susto com a música anterior. Com teclados orientais e um baixo furioso, a música evoca bons momentos do "Angel Dust" e do "Album of the Year".
"Sunny Side Up” tem um clima alegre e uma levada de baixo e bateria no ritmo de ska. A faixa tem piano bem melódico e um refrão alegre que chega a soar “estranha” na voz de Mike Patton. Tem cara  de single.
"Separation Anxiety" lembra a época dos primeiros discos da banda, ainda com Chuck Mosley nos vocais. Um riff de baixo repetitivo e um tecladinho cinematográfico bem sutil criam a tensão para Patton dar seu show. Ao vivo, essa vai ficar muito foda.
"Cone of Shame", que já havia sido tocada em shows, ficou incrível em sua versão de estúdio. Com um clima bluesy e um vocal do Patton inspiradíssimo e sem muito overdub, a música ganhou força, especialmente na parte final.

A introdução de "Rise of the Fall" mais uma vez evoca os primeiros discos da banda, mas logo em seguida a música dá uma guinada e entra num território cinematográfico, meio cabaret. A guitarra faz pensar em "Blood", faixa do "Introduce Yourself”. Gênero musical: Não sei ainda, tô tentando descobrir.
"Black Friday" Com ares de acústica, lembra muito o som do The Cure. Apesar de ser completamente diferente de tudo que eles já fizeram. Eu acho que ela é perfeita para single, com um refrão fácil e bom de gritar: "BUY IT!". A letra tira um sarro do desespero das pessoas por fazer compras na Black Friday, comparando-as com zumbis. Nessa música, fica bem claro o quanto  Patton se dedicou no trabalho de vozes, com muitos backings e detalhezinhos sonoros que fazem toda a diferença no arranjo final da música.
"Motherfucker", primeiro single lançado, e que funcionou como um teaser do que vinha pela frente, parece finalmente fazer sentido. Eu tinha achado uma escolha estranha para o primeiro single, mas atualmente entendo que a ideia era realmente não entregar o jogo, mas ao mesmo tempo avisar que vinha algo de novo e diferente por aí. Ela definitivamente tem o seu lugar no álbum.

"Matador" foi a primeira música nova a ser apresentada para os fãs nos shows ainda em 2011/2012 e confesso que a versão de estúdio ficou devendo um pouco para a grandiosidade dela ao vivo. Mas, tirando essa primeira impressão, a música é certamente um clássico instantâneo do Faith No More.
E o disco encerra com a belíssima "From the Dead", uma balada acústica que evoca um clima Folk ,com seus violões grandiosos e muitas vozes, levando a banda mais uma vez a um terreno que até então é novidade na sonoridade do Faith no More.


Embora possa ser considerado um disco curto - tem aproximadamente quarenta e poucos minutos de duração , Sol Invictus é honesto e cheio de boas ideias. Ele também causa aquela mesma sensação de estranheza em sua primeira audição - algo que se tornou comum em cada novo lançamento do grupo. Em uma rápida - e talvez desnecessária  comparação, podemos dizer que Sol Invictus não é tão incisivo quanto Angel Dust e tão atmosférico quanto Album Of The Year, por exemplo. 

O disco também não segue a mesma proposta de We Care A Lot, como foi dito pela banda em algumas entrevistas. Aliás, ele não segue proposta nenhuma.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Sons of Anarchy.

É incrível o fascínio que os anti-heróis exercem sobre nós quando o assunto é cinema/series/Tv. Exemplos disso não faltam; Walter White, Hannibal Lecter, Wolverine, Batman, Michael Corleone... Aqui no Brasil talvez o maior exemplo de  anti-herói seja  o Capitão Nascimento(Tropa de Elite).
Sons of Anarchy é acima de tudo uma estória sobre anti-heróis.

Pense no drama de uma tragédia familiar, misturada com algum filme de gangster, adicionado de uma boa dose de adrenalina. Pode-se dizer que Sons Of Anarchy, criação de Kurt Sutter, é mais ou menos isso. Com uma mistura afiada de drama, ação, suspense e até humor negro, a série conta a história do clube de motociclistas fora da lei Sons Of Anarchy, que tem sua sede em Charming, uma cidade fictícia da Califórnia. Clay Morrow (Ron Perlman) é o presidente, e seu afilhado, Jax Teller (Charlie Hunnam), o vice-presidente e protagonista. A trama explora muito bem os laços de irmandade que unem o grupo que, apesar de composto só por homens, tem nas mulheres, principalmente nas esposas dos membros  grandes pilares de sustentação dos personagens .
 A mais importante delas é Gemma (Katey Sagal), esposa de Clay. Respeitada e adorada por todos, ela é a grande figura materna do clube. A atriz, que na vida real é casada com Sutter, ganhou o Globo de Ouro em 2011 pelo papel. Outra figura feminina que logo ganha força é Tara (Maggie Siff), antiga namorada de Jax na adolescência, que voltou para trabalhar no hospital da cidade. Tara volta a se aproximar da família Teller ao cuidar do pequeno Abel, filho de Jax, que teve um parto prematuro após sua mãe e ex-mulher de Jax, Wendy, sofrer uma overdose. Com o nascimento do seu filho e o achado de um manuscrito escrito por seu pai, John Teller, Jax começa a refletir sobre o caminho que o Clube tomou. Essa “epifania” e o descobrimento de vários segredos do passado (como a verdade sobre a morte do pai), é o que move a trama da série, colocando as ideologias de Jax e Clay em constante colisão.

 Enquanto Clay visa apenas o lado financeiro, que envolve principalmente o tráfico de armas, o vice-presidente fará de tudo para tirar a SAMCRO (sigla de Sons of Anarchy Motocycle Redwood Original, nome oficial do clube) da ilegalidade e tentar resolver os problemas e conflitos do clube sem (ou com o mínimo de) violência — muitas vezes passando por cima de Clay. E conflito é o que não falta. Desde gangues da Califórnia (como os mexicanos dos Mayans), passando por uma organização de separatistas brancos, até os irlandeses do IRA (boa parte da 3ª temporada se passa na Irlanda do Norte). Isso tudo sem falar nas organizações federais, que, volta e meia, colocam o clube na mira. Esses conflitos internos e externos ameaçam não só o Clube como organização, mas a unidade do grupo, que parece enfraquecer cada vez mais. Algo que o roteiro de Sutter sempre frisa é que os Sons podem ser bandidos, mas não vilões.

 Por mais ilegal que seja a forma como eles ganham a vida, eles sempre tentam ajudar o povo de sua cidade e se revoltam com injustiças tanto quanto qualquer cidadão honesto. Outra característica dos personagens que é muito bem composta pelo roteiro, é a de terem várias fases durante a série, assim como a relação entre eles, que muda por consequência de suas próprias mudanças ou acontecimentos na trama. Dentre todas as mudanças, naturalmente a que mais impressiona é a de Jax. De idealista e pacificador, ele vai se deixando contaminar pelo mundo de caos e violência em que vive e se torna uma pessoa sedenta por vingança e disposta a tudo para chegar a seus interesses, por melhores que sejam (pelo menos, na maioria das vezes). Jax evolui não apenas como líder, apto a tomar decisões que poucos seriam capazes de tomar, mas como personagem, se tornando alguém com moral algumas vezes  dúbia, capaz de tomar as mais bondosas atitudes como as mais violentas. A sua grande mudança é construída com primor no decorrer da trama. A série frequentemente mostra o quão sujo os personagens estão dispostos a jogar para chegar aos seus objetivos — objetivos que, se não sempre bons, ao menos são compreensíveis dentro daquele mundo. O que dificulta o julgamento do público: será que um bom fim justifica um meio tão sujo ou sangrento?
Destaque para a  trilha sonora que  também é um dos elementos que merecem menção. As músicas casam perfeitamente seja com sequências de perseguições ou de momentos mais densos da série. A trilha sonora de Sons Of Anarchy exerce um papel fundamental na narrativa, as letras das canções retratam o estado atual da trama e/ou dos personagens.

Destaque também para o restante do elenco simplesmente IMPECAVEL.
 No ar desde 2008, a série só recebeu duas indicações!? a prêmios importantes: melhor música-tema original, no Emmy, em 2009; e a já citada indicação (e vitória) de Katey Sagal ao Globo de Ouro, como Melhor Atriz em série dramática, 2011. Charlie Hunnam, por exemplo, faz um trabalho excelente, dando toda a credibilidade que a complexidade de seu personagem precisa. SoA foi o terceiro drama mais visto da TV paga americana, ficando atrás apenas de The Walking Dead e Breaking Bad, além de ser a série mais vista do canal FX, quebrando, temporada após temporada, vários recordes de audiência. SoA é uma incrível jornada em alta velocidade sobre segredos, traições, alianças, amor, ódio, mas, sobretudo, família. O conceito de família está na essência, no cerne do Clube. E a estória contada por Kurt Sutter é exatamente o que, e até onde, as pessoas vão para protegê-la.

Aqui a trilha sonora.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

The dark side of the moon - Pink Floyd

O oitavo álbum de estúdio da banda inglesa “Pink Floyd”, intitulado “The dark side of the moon” chegava às lojas no dia 24 de março de 1973. Este disco representa uma mudança de postura em toda a banda, tida como um dos pilares do rock progressivo nos anos 70, com letras pessoais e menos partes instrumentais nas canções, o que era uma marca da sonoridade da banda até então. Por outro lado, o álbum usa e abusa de efeitos sonoros para tornar as faixas bem complexas. A música “Time”, por exemplo, abre com o som de dezenas de relógios, todos ao mesmo tempo, em polifonia.


O disco abrange uma série de temas densos sobre o ser humano, como a ambição, problemas mentais e as consequências da velhice na vida de cada pessoa. Esses temas não foram “escolhidos” em vão pela banda, pois tratam das próprias experiências vividas por Syd Barret, membro fundador do Pink Floyd, que deixara a banda após sofrer de graves problemas mentais.
Ao longo de 1972 e 73, a banda produziu o disco nos famosos estúdios Abbey Road, em Londres, ao lado de Alan Parsons, que deu seu toque pessoal nas bases e elementos eletrônicos das músicas.

Já a famosa capa negra com um prisma ao centro refletindo raios luminosos em diferentes cores como num arco-íris, foi pensada e elaborada como uma representação da grandiosa iluminação usada pela banda em seus concertos, além de caracterizar o intimismo das letras presentes no disco. O conceito também buscava captar uma ideia importante para a banda, a de que a capa deveria ser direta e ao mesmo tempo, marcante.
 

O álbum foi sucesso imediato na Inglaterra, França e Estados Unidos, alcançando as paradas musicas, como a conceituada “Bilboard”, sendo que nesta, o disco já esteve presente em mais de 803 menções ao longo dos anos, o que é um feito na história fonográfica mundial. Críticos e público consideram “The Dark Side of the Moon” como uma das obras mais importantes do rock n’ roll em todos os tempos, tanto pela sua qualidade musical, quanto pela inovação conceitual que apresentou em suas canções e parte gráfica.

Desenvolver novas canções estava nos planos da banda desde a turnê de “Obscured by Clouds”, álbum anterior, e os problemas enfrentados por todos, principalmente devido à saída de Barrett, fizeram com que ainda no meio da turnê, as canções fossem compostas para inicialmente serem apresentadas ao vivo. A necessidade de serem mais objetivos e menos teatrais também aguçou a criatividade dos músicos para novas composições.
Após concluírem as gravações demo em pequenos estúdios improvisados nas casas dos músicos e em um armazém dos Rolling Stones, a banda investiu pesado em equipamentos para produzir as músicas no Teatro Rainbow, em Londres, num projeto chamado “The dark side of the moon”. Contudo, o nome teve que ser mudado para “Eclipse”, pois a banda “Medicine Head” já usara o título escolhido. Destino ou consequência natural, o “Medicine Head” foi um fracasso comercial e o “Pink Floyd” pôde usar o nome inicial para seu novo projeto.

Antes mesmo de lançarem o álbum, a banda iniciou a “The Dark Side of the Moon Tour” e passou por Estados Unidos, Canadá e diversos países da Europa, como forma de desenvolverem melhor suas canções ao vivo. Em 17 de fevereiro de 1972, eles se apresentaram no Teatro Rainbow para uma platéia de jornalistas, recebendo boas críticas.

O Pink Floyd no Abbey Road Studios durante a gravação de “The Dark Side of the Moon”

As gravações iam sendo feitas durante os intervalos entre as apresentações, utilizando a chamada “gravação multicanal” que permitia o agrupamento de vários sons, unindo-os perfeitamente em sincronia e trazendo assim um excelente resultado sinfônico.

Uma curiosidade sobre o longo tempo que duraram as gravações foi o fato de que muitas vezes elas eram interrompidas para que o baixista e principal compositor da banda, Roger Waters, pudesse ir assistir a partidas de futebol de seu time de coração, o Arsenal, ou ao seu programa favorito na televisão, o “Monty Phyton’s Flying Circus”.
Após o término das gravações, a banda se lançou em mais uma turnê pela Europa.



“The Dark Side of the Moon” e “O Mágico de Oz”.


Desde o ano de 1997, circula a “lenda” de que o álbum serve perfeitamente como trilha sonora para o filme “O Mágico de Oz”, de Victor Fleming, lançado em 1939. O chamado “The Dark Side of the Rainbow”, algo como “O lado sombrio do arco-íris’, numa alusão dupla ao filme e à capa do disco, é um “fenômeno” que gera polêmica no mundo pop, com alguns defendendo claramente essa ideia e outros que não encontram relações entre as duas obras.

De acordo com aqueles que defendem essa “tese”, certos pontos do filme sincronizam perfeitamente com trechos do álbum.

Os membros da banda sempre negaram uma relação intencional, atribuindo o fato como simples coincidência. Seja como for, quando o leão da MGM ruge pela terceira vez, depois que a tela escurece e começam as imagens do filme, o disco deve ser iniciado para que a tal “sincronização” aconteça.

De acordo com a “Wikipedia”, estes são alguns dos principais momentos em que o disco ilustra as cenas do filme:
Quando Dorothy cai de cima do cercado em que está se equilibrando, inicia-se a música “On the run” indicando o momento de suspense. Na seqüência a avó de Dorothy aparece conversando, e neste momento é possível ouvir uma voz feminina de fundo na mesma música.
Quando Dorothy está na fazenda e ela olha para o alto, no áudio surge barulho de avião.
Quando a bruxa está chegando de bicicleta para raptar o cachorro de Dorothy, começam a tocar os sinos da música “Time”, análogo aos toques de campainhas de bicicletas.
Em seguida a bruxa estaciona a bicicleta no cercado da casa de Dorothy e, enquanto está parada do no portão, o avô de Dorothy bate com o portão por trás da bruxa. Quando o álbum e o filme estão exatamente sincronizados, nesta batida do portão é tocada a primeira nota da música “Time”.
Quando é cantada a frase “Home, home again” (Casa, casa novamente) do reprise de “Breathe”, o cachorro de Dorothy entra pela janela do seu quarto, após fugir da bruxa.
A música “The great gig in the sky” é tocada no momento de suspense do filme, onde um tornado aproxima-se à casa. É possível perceber os três tempos da música em sincronia com as cenas de suspense, as cenas de sonho/desmaio e com as cenas de calmaria.
O som da caixa registradora no princípio de “Money” (dinheiro) aparece exatamente quando Dorothy pisa pela primeira vez a estrada dos tijolos amarelos; que é também o momento em que o filme passa de preto e branco para cores. Outra referência é a aparição da fada dourada;
No momento em que a bruxa do Oeste aparece, é tocada a palavra “black” (preto);
A cena em que Dorothy encontra o espantalho (personagem que alegava não ter cérebro) é acompanhada pela música “Brain Damage” (dano cerebral), e quando a letra da música começa a tocar: “the lunatic is in my head…” (o lunático está na minha cabeça), o espantalho inicia a dançar freneticamente como um lunático;
O bater de coração no fim do álbum ocorre quando Dorothy tenta ouvir o coração do homem de lata;
No momento em que a bruxa do oeste lança uma bola de fogo contra Dorothy e seus companheiros, a música grita “run!” (corra);
No momento que Dorothy encontra Oz, entra a música “Us and Them”, soando Us como Oz bem quando aparece a 1a imagem de Oz;
Várias frases das letras contidas nas músicas coincidem com os mesmos atos sendo executados pelos atores no mesmo momento;
A duração da maioria das músicas coincide precisamente com a duração das cenas no filme.


Seja pela lenda que criou, ou pela qualidade e originalidade do trabalho, “The Dark Side of the Moon” é parte obrigatória na coleção de todo fã de música, principalmente, rock n’ roll, e deve ser celebrado como uma das obras-primas do Pink Floyd, uma das mais espetaculares bandas de todos os tempos. Hoje, 31 anos após seu lançamento, o disco ainda é uma valiosa e interessante análise do ser humano, sob uma perspectiva muito particular, preenchida por excelentes notas e acordes.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Lightning Bolt - Pearl Jam

É inegável que o Pearl Jam é uma  das bandas  em atividade na cena musical mais influentes dos últimos vinte anos. Em  seu décimo disco, se mantem fiel, acima de tudo, a si mesmos. Eu sei, todos já conhecem “Black”, todos já pularam ao som de “Even Flow” e, no mínimo, arrepiaram-se ao ouvir os primeiros acordes de “Alive”. Mas, no decorrer dos anos,com  a carreira planejada de forma independente e espontânea, o Pearl Jam tornou-se numa banda  atemporal no mundo musical. Apesar de ainda ser relacionada em um primeiro momento e  aos mais desavisados com  a tal “cena grunge”, um olhar  mais atento a carreira dessa banda de Seattle dirá  que eles já se livraram há muitos anos desse rotulo .

O tempo entre Backspacer e Lightning Bolt é um dos mais longos na carreira de Pearl Jam, pouco mais de quatro anos. Esse período, no entanto, foi de grande atividade para cada um de seus integrantes, além da celebração coletiva de vinte anos da banda, que gerou um documentário oficial, o PJ20. Posteriormente, cada um tomou seu rumo e ocupou seu tempo criativamente em outros projetos. Eddie Vedder, por exemplo, embarcou em  carreira solo com seu disco de estreia, Ukulele Songs, de 2011.

 Diante dos  trabalhos paralelos dos integrantes da banda, a impressão que dá é que os quatro anos sem se trancarem no estúdio durou bem mais. O resultado é que os quatro integrantes, acrescido de Boom Gasper(piano), entraram no estúdio no momento ideal e se focaram em produzir o melhor disco, como o próprio Vedder afirmou na época do lançamento em entrevista à Rolling Stone.
Com  Lightning Bolt lançado em outubro de 2013  a banda volta a  arriscar um pouco mais e explora  novos territórios, embora sempre com um pé em solo seguro. “Pendulum”, sombria, com o piano criando o ambiente. O ritmo, no entanto, lembra um pouco “Parting Ways”, de Binaural. Melodia muito bonita, com Vedder mais uma vez com a voz impecável.

 A banda continua explorando e experimentando novos sons, para desespero dos “grungeiros”. Após a experimentação, Pearl Jam volta para a zona de conforto com a mediana e correta “Swallowed Whole”, bem a cara de composição de Eddie. Mas logo em seguida volta a ter ingredientes novos e inesperados, como em “Let The Records Play”, com uma pegada bem blues, coisa que Pearl Jam não havia experimentado ainda, seguimos com “Come Back”,balada lenta também com uma levada blues

“Sleeping By Myself”, embora não seja totalmente inédita, já que figurou em Ukulele Songs, de Eddie Vedder, ganha aqui uma nova roupagem com a banda completa, inclusive, bem country. Ainda assim, no final Eddie ainda empunha seu ukulelezinho de sempre. O clima acústico guia as duas faixas finais, com “Yellow Moon”, misturando com um solo de guitarra bem intenso, embora curto, e “Future Days”, basicamente Eddie, seu violão, e uma base de piano, também tem a  letra mais positiva do álbum.


Lightning Bolt é, por fim, mais um grande registro de uma ótima banda que já superou essa polêmica de tentar fazer um novo Ten ou Vs. É notório que eles estão preocupados apenas em fazer boa música e criar novos sons para comunicar sentimentos. E esse é o espírito da coisa. 

domingo, 10 de agosto de 2014

Clássicos do Rock Nacional; Loki? - Arnaldo Baptista.

Na musica brasileira em geral, são muito raros os casos que driblaram a barreira lingüística e lançaram trabalhos relevantes, O  álbum em questão surgiu não apenas como antídoto a essa tendência, mas também como uma obra FUNDAMENTAL  do rock brasileiro.
Dor. Muita dor. Nem tanto  aquela que parece dilacerar a carne, mas principalmente aquela que queima o coração como um ferro em brasa e carboniza o amor despedaçado.
Há quarenta anos, Arnaldo Baptista colocou tudo isto para fora em um álbum que soa desconcertante e atual  até os dias de hoje. Era seu primeiro disco solo, já fora dos Mutantes. Lóki ? era o sinal de que ele precisava de ajuda para sair de um furacão de delírios lisérgicos e paranoicos  com relação a uma” invasão extraterrestre” e a dor, aquela dor, causada pela perca que ele acreditava na época ser a musa e amor de sua vida; Rita Lee. Mergulhado na depressão, Arnaldo era a personificação da angustiante incerteza de continuar a viver.

Gravado em terríveis condições emocionais, após sua saída dos Mutantes, o álbum conta com a participação de três ex-integrantes (o baterista Dinho, o baixista Liminha e Rita Lee  nos backing-vocals. A gravação feita às pressas nos  proporcionou uma pegada  inigualável e, dado seu estado emocional, Loki? acabou por ser o maior legado existencial do rock brasileiro.
Arnaldo mostrou  o que significa amar até perder a própria identidade , buscar por paraísos artificiais a partir da desintegração da alma e  usos de drogas, percorrer os porões proibidos dos sentimentos, dar vazão aos abismos da alma e anunciar os esboços da morte, mesmo não consumada. Nessas “previsões”, ele já parecia estar ciente de seu destino consumado  por uma tentativa de suicídio em 1980.
Se, literalmente, (ao expor sentimentos) ele  provou genialidade, no nível musical nada deixou a desejar musicalmente ; ou seja, a partir de sua voz arrancada “do estomago” e de um sensível piano clássico, ele percorre o rock  de forma  eclética com maestria, indo das mais tristes baladas até  o rock progressivo , passando por bossa, jazz, funk e blues.
Em cada faixa, Arnaldo dilacera a alma, exibe uma mente já perturbada e sem esperança. Um espírito já imerso na solidão, alucinadamente triste. Tudo basicamente temperado a piano, voz, baixo e bateria acompanhado  por  seus ex-companheiros  de Mutantes. NADA DE GUITARRA . Só uma salada de rock, bossa nova, samba e MPB desgovernada.

A primeira faixa do LP, a linda balada  "Será Que Eu Vou Virar Bolor?", usando o título como tema, traça ironicamente um paralelo entre o futuro de seu amor e o da música , ambos “ameaçados de extinção”. A seguinte "Uma Pessoa Só", remonta a um sonho  coletivo. "Não Estou Nem Aí" é balada com ares jazzísticos em que, sombreado pela (im)possibilidade de esquecer os "males", ele desafia a morte de forma sarcástica. Em "Vou Me Afundar na Lingerie", um “blues pop” de primeira ele  instala a evasão absoluta do mundo real. A instrumental "Honky Tonky" é um delicioso mergulho no piano.
"Cê tá Pensando Que Eu Sou Loki?", desbanca a loucura, mas não exime “o prazer alucinógeno”. Na balada  ,”Desculpe “que  desvenda a  angústia passional  de uma pessoa atormentada pelo ciúme. " Na fragmentada "Navegar de Novo”  desvenda sua particular  passagem das horas e  dimensões (im)possíveis do tempo. Em  "Te Amo, Podes Crer", uma balada de amor que encarna o pranto de uma pessoa  abandonada e revela: "Dentro de algum tempo eu paro de tocar/espero o apocalipse de então eu te encontrar", um verso que resumiria profeticamente seu futuro. Fechando, a folk-psicodélica "É Fácil", síntese de um  amor absoluto.


Se hoje sua obra é mítica, saiba que Arnaldo pagou muito caro por toda essa paixão,que foi levada às últimas consequências. Emoções, lucidez (e a falta dela) e solidão formam algumas passagens do que significa “Lóki?”. Somos entregues a um comportamento visceral, tão doído quanto raivoso, o que coloca o disco em um pedestal sem igualdade. Dor e angústias  podem ter diminuído, ou até passado. Mas o peso e a inspiração do álbum formaram uma das obras mais instigantes da música brasileira.

domingo, 25 de maio de 2014

Clássicos do Rock Nacional; Selvagem? - Os Paralamas do Sucesso.

O disco “Selvagem?”, d’Os Paralamas do Sucesso, lançado em 1986, não é um disco qualquer. Não pode ser colocado no balaio dos grandes sucessos do Pop Rock brasileiro, tomando-se por base apenas seu marco comercial. Ele vai além do sucesso de vendagem, afinal vendeu muito – mesmo oferecendo algo novo, diferente. Não era o mais do mesmo, era algo novo, era uma aposta, era um risco fazendo o que poderia não ter feito: sucesso.

Em “Cinema Mudo”, de 1983, e “O Passo do Lui”, de 1984, Herbert Vianna (vocal e guitarra), Bi Ribeiro (baixo) e João Barone (bateria), muito jovens, com pouco mais de 20 anos, já mostravam todo seu potencial, tanto no que se refere a fazer legítimos hinos pop – como “Vital e sua moto”, “Meu Erro” e “Romance Ideal” – quanto nas referências a ritmos jamaicanos – vide a própria “Cinema Mudo”, “Ska”, “Óculos” e “Assaltaram a gramática” –, o que mostrava uma peculiaridade muito especial nos três. Embora o grupo de canções que fugiam da lógica pop fosse, até o momento, bem menor, já dava ares das novas perspectivas do grupo. Mas por que mudar, se estava tudo indo tão bem? Aí entra em cena, em 1986, o disco “Selvagem?”, reflexo direto do amadurecimento da banda.
Em 1985, com o fim institucional da ditadura e a abertura política os ares eram de novidade, de esperança, de mudança. Para os Paralamas, era um ano igualmente movimentado. Logo em janeiro, se apresentaram na primeira edição do Rock in Rio, participação que foi fruto do sucesso dos dois primeiros discos. O show foi muito bem recebido pela crítica e pelos fãs. Nos meses que se seguiriam Os Paralamas sairiam pelo Brasil se apresentando em uma turnê bem sucedida. Também em 1985, Os Paralamas do Sucesso vão para a Europa, para alguns shows nos países “costumeiros” de toda turnê internacional. Contudo, o retorno do trio é bem diferenciado dos outros artistas que estiveram juntos na viagem. Antes de voltar ao Brasil, eles passam por alguns países da África e também pela Jamaica. As viagens pelo terceiro mundo, um lugar de gente negra e pobre, pareceu muito familiar aos diversos cantos do Brasil visitados pelos músicos em sua turnê nacional, também em 85. Além disso, em 1984, a banda já havia feito os shows de abertura da turnê brasileira do jamaicano Jymmy Cliff. Tudo isso somou-se e, em 1986, veio “Selvagem?”, onde pesou a responsabilidade típica de quando se faz o que se está afim de fazer, não com falta de compromisso, mas, sim, sem respeitar as amarras do mercado fonográfico.
 

Dizem que quando foi apresentado à banda o riff de guitarra que viria a ser “Alagados”, Bi e João acharam aquilo com cara de samba-enredo. E isso é ruim? Não, eles adoraram. “Alagados” abre o disco avisando logo de cara que as próximas horas serão bem diferentes. E boas.

 O cunho social da letra, muito evidente, é em partes fruto do período que Herbert estudou no Rio de Janeiro e atravessava de ônibus diariamente a Favela da Maré. Depois, já como uma banda de sucesso, conheceram Salvador, capital da Bahia e onde fica Alagados, região periférica da cidade. Um pouco mais tarde, com ainda mais sucesso na bagagem, conheceram Trenchtown, uma favela jamaicana nos subúrbios de Kingston, capital da Jamaica e local onde nasceu Bob Marley. O Brasil, dessa forma, parecia muito mais com a Jamaica, embora muitos tentassem e tentem até hoje negar. São “os filhos da mesma agonia”.  O clipe da música, ousado, confirma tudo isso. O viés popular da vida nas grandes cidades, em ritmo dançante que lembra o samba, convida a todos para cantar as amarguras. Quando o refrão, com break, é sustentado pela batida de tamborins, a evidência grita.


Na sequência vem “Teerã”, ska de características clássicas (assim como muitos outros que virão adiante no disco). A letra faz referência à capital iraniana e principalmente à guerra entre Irã e Iraque (1980 – 1988). O processo traumático que representa uma guerra, principalmente para os civis, é retratado na figura das crianças e o futuro de Teerã. A terceira faixa é “A Novidade”, com letra de Gilberto Gil, que também canta em “Alagados”. O refrão, que é até hoje muito popular, faz menção, novamente, aos desiguais do Brasil. A literalidade forte diz tudo, dispensa explicações: “Oh mundo tão desigual/ Tudo é tão desigual/ De um lado esse carnaval/ Do outro a fome total”.

A quarta música é uma composição de João Barone e Bi Ribeiro. “Melô do Marinheiro” dividiu com “Alagados” a preferência nas rádios em um processo espontâneo. Os fãs gostaram dela, pediram nas rádios e a colocaram para tocar. Não tomou espaço da música de trabalho. Popularizou-se de forma instintiva e virou mais um dos hits do disco. “Marujo Dub”, como o nome já diz, é um Dub baseado na música anterior, o primeiro do disco que, corajoso, já apresenta de cara dois dubs brasileiros às rádios. O segundo é “Teerã Dub”, a última faixa do disco e, igualmente, uma versão de “Teerã”. Os ecos e efeitos na voz saturada, típicos do Dub, assim como a “cara” de remix e a evidência do baixo e da bateria acompanham ambas as faixas. Corajosos e arriscados, os dois dubs são um dos vários marcos do disco.

A sexta faixa é “Selvagem”, música de conteúdo até hoje (quase trinta anos depois)  assustadoramente atual. Nela a letra apresenta, novamente, uma crônica da vida no Brasil e as armas que cada casta dispõe em mãos. Com riff marcante, o mais pesado do disco, Herbert canta sobre a polícia e sua tentativa incansável de manter tudo em seu lugar, custe o que custar. O governo, por sua vez, com seu falatório vazio e seu controle absoluto do poder, construído na base da enganação, mostra a cara de suas armas. Em “E a liberdade cai por terra aos pés de um filme de Godard”, faz-se referência à censura imposta pelo governo Sarney ao filme “Eu te Saúdo, Maria” de Jean-Luc Godard. Na sequência, a cidade apresenta suas armas na forma de mendigos e meninos de rua, enquanto os negros “a esperteza que só tem quem tá cansado de apanhar”.
 “A Dama e o Vagabundo”, a primeira música do disco que traz como tema um relacionamento amoroso. O, porém está no caráter desse relacionamento, que, apesar das diferenças, dá certo. A oitava música é “There’s A Party”. Cantada em inglês, é a que mais se aproxima do pop rock dos dois primeiros discos. Com pouco mais de dois minutos, é a música mais curta. “O Homem”, nona música do disco, apresenta como temática o conflito interior de cada um, colocando em cheque a costumeira dualidade da vida. Questiona o bem e o mal e canta, nenhuma doutrina mais me satisfaz.
 A última música do disco – afinal, “Teerã Dub” não foi incluída na versão original em LP – é uma regravação de “Você/Gostava Tanto de Você”, clássicos de Tim Maia. Sucesso garantido em um reggae que encerra a boa novidade que foi “Selvagem?”.
Definido o lado conceitual do disco, que já vinha sendo trabalhados nos meses finais de 1985, Os Paralamas do Sucesso chamaram Liminha – ex-baixista dos Mutantes e produtor de alguns dos mais aclamados discos do rock brasileiro – para trabalhar a parte técnica. Pelas mãos de Liminha passaram também algumas das segundas guitarras presentes no disco, assim como alguns teclados. Estava garantida a referência técnica da produção, afinal, a experimentação com os novos gêneros musicais deveria estar em excelente qualidade sonora, bem mixada e produzida. Liminha deu conta do recado. Entraram para as gravações em abril e não demoraram mais que um mês para terminar.

 Para a capa do disco foi escolhida uma foto do irmão de Bi que estava colada na parede do local de ensaios. Nela, o jovem Pedro aparece sem camisa, usando-a ao redor da cintura, como uma saia, e segurando um “cajado”. Um índio meio estranho em um dos muitos acampamentos ainda com turma de Brasília, onde Bi e Herbert se conheceram. A estranheza fica completa com o ponto de interrogação que é acrescentado e pergunta: Selvagem?

Em junho de 86 Selvagem? Estava na praça e o resto é história.

Passado o ano de 1986 e todo o sucesso do disco “Selvagem?”, Os Paralamas do Sucesso foram, gradativamente, nos álbuns posteriores mergulhando ainda mais nas referências jamaicanas e caribenhas.