domingo, 10 de agosto de 2014

Clássicos do Rock Nacional; Loki? - Arnaldo Baptista.

Na musica brasileira em geral, são muito raros os casos que driblaram a barreira lingüística e lançaram trabalhos relevantes, O  álbum em questão surgiu não apenas como antídoto a essa tendência, mas também como uma obra FUNDAMENTAL  do rock brasileiro.
Dor. Muita dor. Nem tanto  aquela que parece dilacerar a carne, mas principalmente aquela que queima o coração como um ferro em brasa e carboniza o amor despedaçado.
Há quarenta anos, Arnaldo Baptista colocou tudo isto para fora em um álbum que soa desconcertante e atual  até os dias de hoje. Era seu primeiro disco solo, já fora dos Mutantes. Lóki ? era o sinal de que ele precisava de ajuda para sair de um furacão de delírios lisérgicos e paranoicos  com relação a uma” invasão extraterrestre” e a dor, aquela dor, causada pela perca que ele acreditava na época ser a musa e amor de sua vida; Rita Lee. Mergulhado na depressão, Arnaldo era a personificação da angustiante incerteza de continuar a viver.

Gravado em terríveis condições emocionais, após sua saída dos Mutantes, o álbum conta com a participação de três ex-integrantes (o baterista Dinho, o baixista Liminha e Rita Lee  nos backing-vocals. A gravação feita às pressas nos  proporcionou uma pegada  inigualável e, dado seu estado emocional, Loki? acabou por ser o maior legado existencial do rock brasileiro.
Arnaldo mostrou  o que significa amar até perder a própria identidade , buscar por paraísos artificiais a partir da desintegração da alma e  usos de drogas, percorrer os porões proibidos dos sentimentos, dar vazão aos abismos da alma e anunciar os esboços da morte, mesmo não consumada. Nessas “previsões”, ele já parecia estar ciente de seu destino consumado  por uma tentativa de suicídio em 1980.
Se, literalmente, (ao expor sentimentos) ele  provou genialidade, no nível musical nada deixou a desejar musicalmente ; ou seja, a partir de sua voz arrancada “do estomago” e de um sensível piano clássico, ele percorre o rock  de forma  eclética com maestria, indo das mais tristes baladas até  o rock progressivo , passando por bossa, jazz, funk e blues.
Em cada faixa, Arnaldo dilacera a alma, exibe uma mente já perturbada e sem esperança. Um espírito já imerso na solidão, alucinadamente triste. Tudo basicamente temperado a piano, voz, baixo e bateria acompanhado  por  seus ex-companheiros  de Mutantes. NADA DE GUITARRA . Só uma salada de rock, bossa nova, samba e MPB desgovernada.

A primeira faixa do LP, a linda balada  "Será Que Eu Vou Virar Bolor?", usando o título como tema, traça ironicamente um paralelo entre o futuro de seu amor e o da música , ambos “ameaçados de extinção”. A seguinte "Uma Pessoa Só", remonta a um sonho  coletivo. "Não Estou Nem Aí" é balada com ares jazzísticos em que, sombreado pela (im)possibilidade de esquecer os "males", ele desafia a morte de forma sarcástica. Em "Vou Me Afundar na Lingerie", um “blues pop” de primeira ele  instala a evasão absoluta do mundo real. A instrumental "Honky Tonky" é um delicioso mergulho no piano.
"Cê tá Pensando Que Eu Sou Loki?", desbanca a loucura, mas não exime “o prazer alucinógeno”. Na balada  ,”Desculpe “que  desvenda a  angústia passional  de uma pessoa atormentada pelo ciúme. " Na fragmentada "Navegar de Novo”  desvenda sua particular  passagem das horas e  dimensões (im)possíveis do tempo. Em  "Te Amo, Podes Crer", uma balada de amor que encarna o pranto de uma pessoa  abandonada e revela: "Dentro de algum tempo eu paro de tocar/espero o apocalipse de então eu te encontrar", um verso que resumiria profeticamente seu futuro. Fechando, a folk-psicodélica "É Fácil", síntese de um  amor absoluto.


Se hoje sua obra é mítica, saiba que Arnaldo pagou muito caro por toda essa paixão,que foi levada às últimas consequências. Emoções, lucidez (e a falta dela) e solidão formam algumas passagens do que significa “Lóki?”. Somos entregues a um comportamento visceral, tão doído quanto raivoso, o que coloca o disco em um pedestal sem igualdade. Dor e angústias  podem ter diminuído, ou até passado. Mas o peso e a inspiração do álbum formaram uma das obras mais instigantes da música brasileira.