“Canções de Exílio”, mais novo álbum do carioca Jay Vaquer ,o oitavo de sua carreira. Vaquer,
pra quem não sabe, fez algum sucesso com alguns clipes na MTV durante o início
do milênio, mas sem alcançar definitivamente o grande público , embora possua
uma base de fãs muito fieis , principalmente no Rio de Janeiro. Esta espécie de
desconhecimento por parte do grande público é parcialmente explicável; ele tem
um trabalho autoral bastante peculiar, talvez muito Pop para os roqueiros ou
muito alternativo para os fãs de música Pop. No entanto, é justamente na
coragem do artista em literalmente dar a cara a tapa, sem fazer concessões à
sua obra, o que me faz parar e ouvir atentamente a cada um de seus lançamentos.
Excepcional cantor e letrista Jay vai de um falsete a um
vocal rasgado em questão de segundos e na mesma canção. Não bastasse, a
produção caprichada e as letras muito acima da média do que se produz no Brasil
atualmente, fazem deste lançamento talvez a obra mais bem acabada e concisa do
artista até agora. Após uma série de decepções com empresários e pessoas
ligadas ao meio musical, Vaquer se auto impôs uma espécie de exílio desde o
lançamento, em 2011, do ótimo “Umbigobunker!?”, o que talvez tenha refletido em
muitas das canções aqui apresentadas. Produzido novamente por Moogie Canazio
(indicado ao Grammy pelo disco anterior), “Canções de Exílio” evidencia a
habilidade do artista em entregar ao ouvinte uma produção cheia de nuances,
algumas surpresas, letras desafiadoras (umas extremamente ácidas, outras de um
romantismo sincero e pungente) e uma certa
novidade em termos sonoros. Neste álbum a eletrônica foi muito bem trabalhada, de
forma a complementar o teor pop rock das canções.
O início, com a faixa “Quantos Tantos” já chega escancarando
a porta com um riff de guitarra que introduzirá uma das letras mais críticas da
obra, em um tema mais do que atual: o exibicionismo em tempos de redes sociais.
"Mais interessante mostrar que esteve do que estar / Muito mais importante
exibir a vida que viver / Caridade postada ou não terá valido nada" rasga
o cantor em versos embalados com a maior pinta de hit pronto pra tocar nas
rádios, pena que isso dificilmente acontecerá. O final, listando autores muitas
vezes (mal ou erroneamente) citados nas redes por pessoas com pouco
conhecimento de causa, encerra de forma grandiosa a canção. E, digo, seria
muito bacana ouvir isso nas rádios.
“Tudo Que Não Era Esgoto” chega de forma densa, pesada, com
a eletrônica dando o tom pra uma das letras mais ácidas e difíceis de digerir
pelo público pouco acostumado a ser desafiado a pensar . Uma metáfora pela má
qualidade daquilo que é apresentado ao grande público como sendo cultura,música(pelo
menos no entendimento daquele que vos escreve),uma mágoa com o chamado
mainstream que define aquilo que devemos ou não consumir é o mote desenvolvido
aqui. "Inclusão salutar trouxe consigo esse cheiro próprio / Negócio
lucrativo comercializar a bosta feito ópio / (...) / Podridão difundida /
Patrimônio cultural / E quem não curtisse aquilo era débil mental.
“Canção do Exílio Domiciliar” baixa o tom em um lamento
naquilo que só a vida a dois pode proporcionar: a dor de uma separação, ou de
viver com alguém e mesmo assim continuar sozinho. "Sonha então / Maneiras
de poder aterrissar / Nisso que um dia foi / Uma vida bem vivida / Foi onde eu
mais queria estar / (...) / Me diz / O que resta pra nós / Não sei",
encerra de forma desesperançosa e bela.
“Boneco de Vodu” volta ao clima mais rock, porém desta vez
com a eletrônica mais presente e a acidez borbulhando no personagem da canção,
que ignora toda e qualquer superstição: "Então já sabe o que fazer com meu
boneco de vodu", provoca, deixando a rima pra mente suja do interlocutor -
não por acaso, uma lembrança daquele tipo de gente que se dá uma auto-importância
exagerada, é uma das faixas em que o cantor mais expressa seu jeito irônico e
debochado, mas denunciando a própria hipocrisia ("Até desconfio do ateu /
E isso é problema meu / Talvez fique de branco no Réveillon").
“Outrora” inicia à capella com versos embalados em um efeito
meio sacro, como se fosse uma prece, logo desemboca pra uma daquelas baladas. O
vocal limpo e o instrumental versam sobre a urgência em se permanecer vivo, em
reconhecer as belezas da vida e a angústia em não se conseguir (ou achar que
não) percebê-las. "Derrapei ao tentar controlar / A vida passando por mim
/ O tempo atropelando / E atropelado está / A cada solavanco / Tanta
beleza", são versos que embalam um dos mais belos momentos do disco.
“Possibilidade (Se Já Não Caibo)”, com sua batida eletrônica,
em um clima ainda melancólico e melódico que, como o título já diz, esboça a
possibilidade de "novos ares" àquele que se exilou de alguma forma.
“Como Quem Não Quer Nada” é outro rockão ácido e crítico à
futilidade daqueles que buscam chamar a atenção de alguma forma, seguindo a
maré, fazendo um link elegante com a primeira faixa do disco. "Muita calma
minha gente / Sempre dá pra piorar / E o pior é massa / Pro idiota idiotizado /
Idiotizante idiotizando / Como quem não quer nada". E a gente sabe o quão
perigoso este tipo de idiota útil pode ser - qualquer semelhança com a
realidade não é mera coincidência.
Após a pancadaria, o afago.” Hematomas da Teima”, a próxima
canção, além do título genial, traz talvez a letra mais simples do álbum e ao
mesmo tempo significativa. Balada certeira, com os efeitos eletrônicos que
tornam tudo ainda mais emocionante, fala sobre a ousadia daqueles que rompem o
exílio e partem em busca de seu objetivo - mesmo que isso custe alguns vários
riscos no meio do caminho. E é na teimosia ("Meu caos / Meu cais / E dos
males, o melhor") que a temática se exemplifica. Aquele papo de "o
que é teu tá guardado", que tanto nos acomoda, não faz sentido algum aqui.
Pro autor é o desassossego que nos move ("Não espero pelas voltas que o
mundo dá / Se posso dar a volta no mundo até encontrar / O espaço onde estamos
juntos / Nosso lugar") e os hematomas resultantes desta busca sempre
válida não são fracassos, mas condecorações. Linda, a canção só tem um defeito:
ser curta demais, e a vontade que dá é de deixar no repeat por horas.
“Legítima Defesa” talvez seja o único ponto fora da curva
aqui. Continuação de Estrela de um Céu Nublado, do álbum Formidável Mundo Cão
(de 2007), acaba fazendo mais sentido para quem conhece a canção anterior. No
estilo "faroeste caboclo", continua a saga do "herói" em
busca de sucesso mas que acaba se metendo em muitos problemas no intuito de ser
famoso. Apesar de longa, a faixa possui bons refrões e novamente a participação
de Megh Stock, da banda Luxúria, em mais um rock ácido.
O encerramento com “Baudaluv” é simples e singelo, com uma
declaração de amor, combustível catalisador e talvez um dos maiores motivos em
romper o exílio auto imposto e se encantar, enfim, com a vida: a felicidade
plena em um sorriso que nos ensina a ser melhor a cada dia.
Canções de Exílio é um trabalho tem uma proposta diferente
dos discos anteriores, aqui há um maior flerte e experimentação com a música
eletrônica, que funcionou muito bem aliás.
Não sou nenhum critico musical, mas é notável a qualidade
dos arranjos, harmonias, efeitos e também a qualidade de composição, Jay é um
dos poucos artistas que conheço que sabe criar uma canção tão bem, suas
composições são fascinantes, seus personagens são muito bem construídos e posso
dizer facilmente que além de um ótimo cantor e compositor ele é um grande
contador de histórias juntamente pela sua habilidade de observação do meio no
qual vive e também por ter apanhado tanto desse meio.
Só não se surpreenda se ao final do disco você acabar se
identificando com as mensagens e de constatar o fato de que talvez você esteja
também vivendo exilado.