terça-feira, 24 de maio de 2016

Canções do Exílio - Jay Vaquer

“Canções de Exílio”, mais novo álbum do carioca  Jay Vaquer ,o oitavo de sua carreira. Vaquer, pra quem não sabe, fez algum sucesso com alguns clipes na MTV durante o início do milênio, mas sem alcançar definitivamente o grande público , embora possua uma base de fãs muito fieis , principalmente no Rio de Janeiro. Esta espécie de desconhecimento por parte do grande público é parcialmente explicável; ele tem um trabalho autoral bastante peculiar, talvez muito Pop para os roqueiros ou muito alternativo para os fãs de música Pop. No entanto, é justamente na coragem do artista em literalmente dar a cara a tapa, sem fazer concessões à sua obra, o que me faz parar e ouvir atentamente a cada um de seus lançamentos.

Excepcional cantor e letrista Jay vai de um falsete a um vocal rasgado em questão de segundos e na mesma canção. Não bastasse, a produção caprichada e as letras muito acima da média do que se produz no Brasil atualmente, fazem deste lançamento talvez a obra mais bem acabada e concisa do artista até agora. Após uma série de decepções com empresários e pessoas ligadas ao meio musical, Vaquer se auto impôs uma espécie de exílio desde o lançamento, em 2011, do ótimo “Umbigobunker!?”, o que talvez tenha refletido em muitas das canções aqui apresentadas. Produzido novamente por Moogie Canazio (indicado ao Grammy pelo disco anterior), “Canções de Exílio” evidencia a habilidade do artista em entregar ao ouvinte uma produção cheia de nuances, algumas surpresas, letras desafiadoras (umas extremamente ácidas, outras de um romantismo sincero e pungente) e  uma certa novidade em termos sonoros. Neste álbum a eletrônica foi muito bem trabalhada, de forma a complementar o teor pop rock das canções.
O início, com a faixa “Quantos Tantos” já chega escancarando a porta com um riff de guitarra que introduzirá uma das letras mais críticas da obra, em um tema mais do que atual: o exibicionismo em tempos de redes sociais. "Mais interessante mostrar que esteve do que estar / Muito mais importante exibir a vida que viver / Caridade postada ou não terá valido nada" rasga o cantor em versos embalados com a maior pinta de hit pronto pra tocar nas rádios, pena que isso dificilmente acontecerá. O final, listando autores muitas vezes (mal ou erroneamente) citados nas redes por pessoas com pouco conhecimento de causa, encerra de forma grandiosa a canção. E, digo, seria muito bacana ouvir isso nas rádios.
“Tudo Que Não Era Esgoto” chega de forma densa, pesada, com a eletrônica dando o tom pra uma das letras mais ácidas e difíceis de digerir pelo público pouco acostumado a ser desafiado a pensar . Uma metáfora pela má qualidade daquilo que é apresentado ao grande público como sendo cultura,música(pelo menos no entendimento daquele que vos escreve),uma mágoa com o chamado mainstream que define aquilo que devemos ou não consumir é o mote desenvolvido aqui. "Inclusão salutar trouxe consigo esse cheiro próprio / Negócio lucrativo comercializar a bosta feito ópio / (...) / Podridão difundida / Patrimônio cultural / E quem não curtisse aquilo era débil mental.
“Canção do Exílio Domiciliar” baixa o tom em um lamento naquilo que só a vida a dois pode proporcionar: a dor de uma separação, ou de viver com alguém e mesmo assim continuar sozinho. "Sonha então / Maneiras de poder aterrissar / Nisso que um dia foi / Uma vida bem vivida / Foi onde eu mais queria estar / (...) / Me diz / O que resta pra nós / Não sei", encerra de forma desesperançosa e bela.
“Boneco de Vodu” volta ao clima mais rock, porém desta vez com a eletrônica mais presente e a acidez borbulhando no personagem da canção, que ignora toda e qualquer superstição: "Então já sabe o que fazer com meu boneco de vodu", provoca, deixando a rima pra mente suja do interlocutor - não por acaso, uma lembrança daquele tipo de gente que se dá uma auto-importância exagerada, é uma das faixas em que o cantor mais expressa seu jeito irônico e debochado, mas denunciando a própria hipocrisia ("Até desconfio do ateu / E isso é problema meu / Talvez fique de branco no Réveillon").
“Outrora” inicia à capella com versos embalados em um efeito meio sacro, como se fosse uma prece, logo desemboca pra uma daquelas baladas. O vocal limpo e o instrumental versam sobre a urgência em se permanecer vivo, em reconhecer as belezas da vida e a angústia em não se conseguir (ou achar que não) percebê-las. "Derrapei ao tentar controlar / A vida passando por mim / O tempo atropelando / E atropelado está / A cada solavanco / Tanta beleza", são versos que embalam um dos mais belos momentos do disco.

“Possibilidade (Se Já Não Caibo)”, com sua batida eletrônica, em um clima ainda melancólico e melódico que, como o título já diz, esboça a possibilidade de "novos ares" àquele que se exilou de alguma forma.
“Como Quem Não Quer Nada” é outro rockão ácido e crítico à futilidade daqueles que buscam chamar a atenção de alguma forma, seguindo a maré, fazendo um link elegante com a primeira faixa do disco. "Muita calma minha gente / Sempre dá pra piorar / E o pior é massa / Pro idiota idiotizado / Idiotizante idiotizando / Como quem não quer nada". E a gente sabe o quão perigoso este tipo de idiota útil pode ser - qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência.
Após a pancadaria, o afago.” Hematomas da Teima”, a próxima canção, além do título genial, traz talvez a letra mais simples do álbum e ao mesmo tempo significativa. Balada certeira, com os efeitos eletrônicos que tornam tudo ainda mais emocionante, fala sobre a ousadia daqueles que rompem o exílio e partem em busca de seu objetivo - mesmo que isso custe alguns vários riscos no meio do caminho. E é na teimosia ("Meu caos / Meu cais / E dos males, o melhor") que a temática se exemplifica. Aquele papo de "o que é teu tá guardado", que tanto nos acomoda, não faz sentido algum aqui. Pro autor é o desassossego que nos move ("Não espero pelas voltas que o mundo dá / Se posso dar a volta no mundo até encontrar / O espaço onde estamos juntos / Nosso lugar") e os hematomas resultantes desta busca sempre válida não são fracassos, mas condecorações. Linda, a canção só tem um defeito: ser curta demais, e a vontade que dá é de deixar no repeat por horas.
“Legítima Defesa” talvez seja o único ponto fora da curva aqui. Continuação de Estrela de um Céu Nublado, do álbum Formidável Mundo Cão (de 2007), acaba fazendo mais sentido para quem conhece a canção anterior. No estilo "faroeste caboclo", continua a saga do "herói" em busca de sucesso mas que acaba se metendo em muitos problemas no intuito de ser famoso. Apesar de longa, a faixa possui bons refrões e novamente a participação de Megh Stock, da banda Luxúria, em mais um rock ácido.

O encerramento com “Baudaluv” é simples e singelo, com uma declaração de amor, combustível catalisador e talvez um dos maiores motivos em romper o exílio auto imposto e se encantar, enfim, com a vida: a felicidade plena em um sorriso que nos ensina a ser melhor a cada dia.
Canções de Exílio é um trabalho tem uma proposta diferente dos discos anteriores, aqui há um maior flerte e experimentação com a música eletrônica, que funcionou muito bem aliás.
Não sou nenhum critico musical, mas é notável a qualidade dos arranjos, harmonias, efeitos e também a qualidade de composição, Jay é um dos poucos artistas que conheço que sabe criar uma canção tão bem, suas composições são fascinantes, seus personagens são muito bem construídos e posso dizer facilmente que além de um ótimo cantor e compositor ele é um grande contador de histórias juntamente pela sua habilidade de observação do meio no qual vive e também por ter apanhado tanto desse meio.

Só não se surpreenda se ao final do disco você acabar se identificando com as mensagens e de constatar o fato de que talvez você esteja também vivendo exilado.

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